quarta-feira, 10 de março de 2010

PUBLICAÇÃO DE ARTIGO DA FRENTE PARLAMENTAR PELO IPHAN


Jussara Hockmüller Carpes, Vereadora, Câmara Municipal de Vereadores de Bagé/RS, jussaracarpes@yahoo.com.br

A preservação do patrimônio cultural é uma questão de cidadania. Seu cuidado e proteção é dever de todos. O cidadão deve conhecer e participar da construção de um processo coletivo – social e legislativo – comprometer-se e cobrar dos seus representantes sua implementação, aperfeiçoamento e pleno funcionamento. “Só sabe fazer democracia quem sabe fazer leis” (Montesquieu).
Em 1º de outubro de 2009, em Porto Alegre-RS, numa parceria da Câmara Municipal de Vereadores de Bagé, União dos Vereadores do Estado do Rio Grande do Sul – UVERGS, e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, lançamos a “Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Cultural”, para materializar a compreensão de que todas as questões referentes à proteção e preservação passam pelos legislativos com sua responsabilidade de construir marcos legais em cada local com suas particularidades e riquezas históricas e culturais. Enquanto legisladores, temos a responsabilidade de elaborar leis que respondam às necessidades da proteção e preservação do patrimônio de cada Município.
Esta responsabilidade foi conferida no Decreto Lei Federal nº. 25, de 30 de novembro de 1937, que vige até hoje e estabeleceu a competência do Estado – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – quanto à iniciativa e ações para proteger, preservar e salvaguardar os bens culturais. Na esfera de atuação dos legislativos municipais, além da sua importância e compromisso com a história e a cultura popular, alguns princípios devem ser observados, como a relevância, a capacidade de produzir os efeitos necessários, a harmonização com o ordenamento vigente, a aplicabilidade e a efetividade das leis que estamos propondo - “as leis inúteis enfraquecem as leis necessárias,” (Montesquieu) – sempre em consonância e respeito à história e à cultura construídas pelo povo em cada local.
O processo de formulação das leis, marcantemente autoritário, sobrepunha o governo à sociedade antes da Constituição de 1988. A partir do marco Constitucional de 1988, a sociedade se sobrepõe ao governo – princípio fundamental da cidadania – e as leis passam a ser produzidas de acordo com as necessidades da sociedade, no Município representada pelos Vereadores. Sob este novo paradigma, as leis podem e devem ser mais orgânicas, entranhadas na vida do povo em cada local em harmonia com a história e a cultura local, nacional e universal, e ao mesmo tempo devem estabelecer capacidade organizacional e operacional para a proteção e preservação do patrimônio.
A Constituição Federal dispõe de diversos dispositivos relacionados com a cultura. O artigo 23 preceitua que “é competência comum da União, dos Estados e dos Municípios”, conforme seu inciso III, “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”, assim como é de competência comum, “impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural.”
Oportuno, também, é destacar o texto do artigo 30, que determina enfaticamente: “compete aos municípios promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.”
Cabe citar o importante conteúdo sobre a cultura no artigo 215, e em especial reproduzir o texto que trata do patrimônio, o artigo 216: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada à aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados”.
Jamais, anteriormente, em todas as constituições, a cultura compareceu de forma tão enfática, detalhada, profunda e direta como na atual, promulgada em 05 de outubro de 1988. Este histórico avanço, construído no processo de conscientização da nacionalidade no campo da cultura e do patrimônio é um verdadeiro guia de orientação para o estabelecimento de políticas de ação concreta, tanto por parte da administração pública, como por parte da comunidade e dos cidadãos.
É pertinente, ainda, lembrar que a Lei Federal nº. 9.605 de 1998, entre as suas disposições, a seção IV trata dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, e destacar que esta lei foi regulamentada no ano seguinte, em 1999, pelo Decreto Federal n°. 3.179/99, que fixou, além das penalidades impostas pela Lei, os valores das multas aplicáveis nos casos das infrações cometidas contra o patrimônio cultural.
Atenta a todas estas questões legais, e pensando na grandiosidade dos patrimônios culturais do RS, a Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Cultural se soma ao Governo Federal através do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que têm programas para a preservação e salvaguarda do patrimônio cultural, formulando, reformulando e aperfeiçoando novas formas de atuação para responder aos desafios e às demandas da cultura, muitas delas represadas e àquelas novas construídas no cotidiano das comunidades.
Estamos trabalhando concretamente nas 13 cidades que tem patrimônios tombados no âmbito do Rio Grande do Sul inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC Cidades Históricas) – Antonio Prado, Bagé, Caçapava do Sul, General Câmara, Jaguarão, Novo Hamburgo, Pelotas, Piratini, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Tereza, São Miguel das Missões e São Nicolau – mais Itaqui, Rio Pardo e Alegrete que não estão incluídas no PAC, mas participam da Frente porque tem bens a serem preservados e pretendem desencadear ações para salvaguardar a história e a memória do seu povo.
A experiência de Gestora na Secretaria de Cultura de 2004 a 2008 me foi fundamental para a compreensão e motivação da importância da luta e ação social e política para proteger, preservar e salvaguardar o patrimônio único e riquíssimo dos nossos Municípios. Relato algumas ações desencadeadas em Bagé, a título de contribuições que possam ajudar outros Municípios.
No ano de 2007 promovemos a “Semana do Patrimônio” e a Jornada “Paisagens Culturais: novos conceitos, novos desafios”, promovidos pela Prefeitura Municipal de Bagé, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, com apoio da Universidade Regional da Campanha – URCAMP, Universidade Federal do Pampa – Unipampa e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado – IPHAE, e lá produzimos a “CARTA DE BAGÉ – Carta da Paisagem Cultural”. A Carta é o primeiro documento que trata da paisagem cultural produzida no País, e se encontra no site do IPHAN.
Essa trajetória constituiu, alem da compreensão e experiência como gestora da problemática da cultura e do patrimônio, o acúmulo político e legitimidade social que levaram à eleição do mandato de vereadora em 2009, as ações na área da cultura contribuíram significativamente para a reeleição do nosso projeto político-administrativo no Município, e fundamenta o compromisso no Legislativo com as lutas em defesa da cultura e do nosso patrimônio.
No período, avançamos muito nas questões executivas, elaboramos projetos, obtivemos os recursos e recuperamos/restauramos diversos prédios de importância histórica e cultural em Bagé, e aprendemos que é necessário fazer as legislações que consolidem esses avanços. É insuficiente avançarmos sem consolidar no ordenamento legal do Município as ações realizadas. Daí decorreu a maior motivação para enfrentar o desafio de trabalhar no legislativo, bem como o respeito à identificação com a cultura e representação que a sociedade conferiu ao mandato.
Nesse sentido, desencadeamos diversas ações no âmbito da Câmara de Vereadores. No primeiro momento, propusemos e foi constituída uma Comissão Especial para tratar sobre o patrimônio; colocamos no Plano Pluri-Anual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO e no Orçamento Anual, diretrizes e recursos (valores ainda insuficientes aportados no âmbito federal, nos municípios, sabemos que os municípios investem pouquíssimo em cultura, Bagé, investiu 2% em cultura); trabalhamos na consolidação das leis municipais, e fizemos a consolidação das leis sobre patrimônio; fizemos emendas à lei ampliando e qualificando a composição do Conselho Municipal do Patrimônio; realizamos no dia 17 de agosto, que é o Dia do Patrimônio, Sessão Solene na Câmara; criamos o Memorial da Câmara de Vereadores; fizemos uma exposição de maquetes em parceria com a Universidade da Região da Campanha – URCAMP, onde alunos da Faculdade de Arquitetura mostraram maquetes de todos os nossos prédios históricos recuperados; estamos trabalhando legislação para desnudar os nossos patrimônios (publicidade e propaganda impróprias em tamanhos e locais).
A iniciativa de criar a Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Cultural nasceu em agosto de 2009, na Oficina do PAC convocada pelo IPHAN em Brasília. Incomodada de estar nessa reunião com representantes de aproximadamente 170 municípios e não existir ali representação de vereadores, só os executivos, começamos a pensar o que fazer enquanto legisladores para assumir nosso lugar de responsabilidade compartilhada e contribuir desde a legitimidade que a sociedade nos confere para elaborar as leis.
A Frente reúne mensalmente vereadores das cidades incluídas no PAC Cidades Históricas mais Alegrete, Rio Pardo, Itaqui e recentemente São José do Norte, constituímos um blog, realizamos o primeiro seminário “Legislação da Proteção do Patrimônio Cultural e Atuação Municipal”.
A coordenação tem incentivado os legisladores municipais a trabalhar a temática do patrimônio nos Planos Diretores, na constituição de Conselhos de Proteção ao Patrimônio, Fundos Municipais, criação de Memoriais, Comissões Especiais nas Câmaras.
Na esfera municipal, o poder público sempre tem privilegiado e destacado papel, hoje, contudo, assume função de protagonista ao ser o principal responsável pela formulação, implantação e avaliação permanente de sua política de salvaguarda dos seus patrimônios, visando garantir a todos o direito aos patrimônios culturais.
As leis sozinhas poderão ser claras, não resolverão os históricos problemas da sociedade, contudo os municípios tem a oportunidade de cumprir contribuir da melhor maneira, e ativamente, seu papel de sujeitos, responsáveis que são pela formulação, implementação e avaliação da política de preservação dos patrimônios culturais, permitindo que todos os moradores de nossas cidades sejam beneficiários das ações implantadas.
O tempo das leis é o tempo da democracia. Ao Fazer uma lei, o legislador precisa usar o tempo a favor do cidadão e da sociedade. O processo de elaboração da lei impõe que sejam analisadas todas as características que envolvem o problema que a justifica e todas as variáveis que se relacionam com a solução que ela propõe.
Então, é um desafio que cada município tenha sua câmara legislativa trabalhando legislação sobre a proteção dos seus bens, tanto materiais quanto imateriais. Não nos basta sermos pioneiros nessa iniciativa, é importante que contagiemos os demais Estados, além do Rio Grande do Sul para se organizarem e constituirmos a Frente Nacional em Defesa do Patrimônio Cultural.

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